Autoras de romances 'hot' dominam o mercado literário brasileiro e fazem fortuna

Romances eróticos mais conhecidos como 'hot' são a carta da vez no mundo literário, autoras já fazem fortuna vendendo em plataformas online

O GLOBO
Autoras de romances 'hot' dominam o mercado literário brasileiro e fazem fortuna Reprodução

Karen Santos, uma carioca apaixonada por histórias românticas desde sempre, era uma ávida consumidora de novelas mexicanas, devoradora dos clássicos como "Senhora", de José de Alencar, e dos romances da autora americana Diana Palmer, conhecidos por suas tramas envolvendo caubóis irresistíveis. Para relaxar dos estudos de seu mestrado em análise algorítmica, ela começou a escrever suas próprias histórias de amor, repletas de cenas sensuais. Lançou despretensiosamente um e-book "hot" na plataforma da Amazon e logo viu seus esforços renderem frutos financeiros.


Continuou escrevendo e publicando regularmente, e em apenas seis meses, estava faturando três vezes mais do que seu salário anterior. Atualmente, Karen sustenta-se financeiramente escrevendo romances eróticos, alcançando conquistas que antes pareciam distantes, como comprar sua própria casa e viajar para a Europa. O sucesso alcançado foi notável, especialmente com o best-seller "Um amor de vizinho", que em apenas um mês rendeu doze vezes mais do que ela costumava ganhar quando estava empregada formalmente.


Karen faz parte de um talentoso grupo de autoras, incluindo Lola Belluci, Jéssica Macedo, Tati Biasi, Mari Cardoso, entre outras, que têm um profundo entendimento dos desejos de seu público. Elas sabem como utilizar os algoritmos a seu favor e conseguem não apenas se sustentar financeiramente, mas prosperar, graças aos seus livros. Esses títulos raramente são lançados em formato impresso, geralmente custam menos de R$ 5 e são avidamente consumidos pelas assinantes do Kindle Unlimited, o serviço de e-books da Amazon, que as remunera com base no número de páginas lidas (Karen já ultrapassou a marca de 100 milhões de páginas lidas). Muitas dessas autoras já estão traduzindo seus títulos para outros idiomas e estão investindo na produção de audiolivros, ampliando ainda mais seu alcance e sucesso.


"Sempre ouvi que escritor no Brasil passava fome e que, se fosse autor independente, precisava ter mais de um emprego, o que eu não sabia era que existia um grupo enorme de leitoras que lê quase um livro por dia.", conta Lola, que acumula, pela métrica do Kindle Unlimited, 'mais de 247 milhões de páginas lidas'.


Filas agora são para autógrafos 


Em comunicado, a Amazon destaca que os romances "hot" têm um ritmo acelerado de publicação e leitura, com algumas autoras lançando livros a cada 15 dias e mantendo um público fiel. A empresa afirma que está comprometida em impulsionar a expansão desse gênero, convidando as principais best-sellers para participarem de eventos literários importantes, como as bienais do Rio de Janeiro e de São Paulo. No ano passado, um coletivo de autoras "hot" financiou seu próprio estande na Bienal do Rio, denominado "Apimentadas", onde as leitoras aguardavam em fila para conseguir um autógrafo.


Lola estava presente no evento. Ela compartilha que conseguiu deixar sua carreira como professora após lançar "Contrato de Prazer", uma história que narra a jornada de uma jovem desempregada que concorda em fingir um relacionamento com um empresário rico, transformando uma transação comercial em uma ardente paixão. Em apenas um mês, ela ganhou dez vezes mais do que seu salário de professora.


As histórias baseadas em "contratos" são um dos subgêneros mais populares na literatura erótica. Outras tramas populares incluem aquelas ambientadas no mundo esportivo, histórias onde figuras masculinas abandonam seus filhos, e aquelas protagonizadas por empresários, especialmente CEOs, com um ar viril ou até mesmo mafiosos com uma veia romântica.


"O CEO é o príncipe moderno, e o mafioso é o homem poderoso que salva a donzela indefesa", brinca a mineira Jéssica Macedo (690 milhões de páginas lidas), que dá a “receita” de um bom romance hot. "O foco é sempre o desenvolvimento da relação do casal: como se conhecem, como se envolvem, que problemas enfrentam para ficar juntos. Nem sempre o ápice de um romance hot é a cena de sexo. Pode ser o momento em que o galã entrega o cartão para a mocinha e diz que ela pode gastar sem limites (risos)."


O protagonista masculino nessas histórias é frequentemente retratado como um homem maduro e atraente, muitas vezes com um ar misterioso e bem-sucedido na vida, além de ser habilidoso na cama. A capacidade de ser um bom pai, ou até mesmo o processo de aprendizado para se tornar um, também é um aspecto que atrai o interesse das leitoras.


Para elas


Jéssica descreve os romances hot como “releituras dos contos de fada”. Karen acrescenta que, não obstante o formato heteronormativo e um tanto conservador (o sonho da mocinha é formar a “família do comercial de margarina”), as protagonistas sempre têm atitude e bancam seus desejos.


"Esses livros ajudam mulheres a entrarem em contato com desejos que elas já têm e a viverem fantasias que às vezes são distantes de sua realidade: com um homem rico e bonito que pega com mais força, histórias de sadomasoquismo", diz a influenciadora Duda Gaboardi, que promove literatura hot em redes sociais. "Como são voltados para o público feminino, o prazer da mulher está sempre em primeiro lugar."


As autoras enfatizam que não existe uma quantidade ideal de cenas eróticas em um romance "hot", pois isso varia de acordo com o casal e sua dinâmica. Se o protagonista for um viúvo melancólico, por exemplo, o desenvolvimento do sexo pode ser mais lento. Por outro lado, com um personagem mafioso, o processo pode ser mais rápido e mais intenso. Em "Um Amor de Vizinho", o Dr. Green é retratado como um homem alegre e despreocupado, mas ele e Amy, sua vizinha nerd, só compartilham uma cena íntima na segunda metade do livro, já que ela leva tempo para superar a atitude arrogante dele. No entanto, antes da cena explícita, a narrativa descreve as fantasias dos dois personagens.


É comum que até mesmo os romances "hot" brasileiros tenham ambientação internacional. Além disso, as leitoras apreciam quando a linguagem lembra a dos romances traduzidos. Por exemplo, em "Um Amor de Vizinho", de Karen Santos, a história se passa em Los Angeles e em alguns momentos refere-se à "masculinidade" do médico Maximilian Green, usando o termo "manhood", que é um sinônimo de pênis em inglês.


Capas literais 


Para alcançar o sucesso no universo dos romances "hot", as autoras precisam dominar estratégias que atraiam a atenção das leitoras, como utilizar capas com casais em poses sugestivas ou homens musculosos e sem camisa. Essas imagens são projetadas para despertar o interesse do público-alvo e transmitir o tipo de conteúdo erótico que está presente no livro.


"As capas seguem uma identidade visual que vem desde os romances de banca, de séries como 'Sabrina', 'Júlia' e 'Bianca'. A capa tem que ser bem literal e ter foto. A leitora bate o olho e já sabe que é um romance erótico", explica Karen. "Para sermos recompensadas pelo algoritmo, temos que colocar palavras-chave no título, no subtítulo e no resumo do livro. É por isso que alguns romances têm subtítulos enormes e literais, como 'grávida rejeitada pelo CEO'."


Mais importante que decifrar o algoritmo, porém, é respeitar as regras do gênero.


"É igual redação do Enem: fugiu ao tema, é desclassificada", resume Jéssica Macedo.


As leitoras podem mostrar resistência a livros nos quais a protagonista é excessivamente independente ou onde o protagonista não se encaixa no estereótipo do "macho alfa". Em uma ocasião, Karen decidiu desafiar essa convenção ao subverter o clichê do "moreno misterioso", apresentando uma história na qual a mulher era responsável por perturbar a paz de um homem. No entanto, essa abordagem não teve muito sucesso. Da mesma forma, em sua primeira incursão na literatura "hot", Lola Belluci optou por escrever um romance ambientado em uma favela carioca e que abordava temas como racismo e empoderamento feminino. No entanto, essa tentativa também não obteve o resultado esperado.


A influenciadora Duda Gaboardi observa que, gradualmente, as leitoras mais jovens estão abrindo espaço para histórias com casais que fogem dos padrões tradicionais. Ela destaca o romance "Palavras Inesquecíveis", de Beatriz Garcia, no qual o protagonista é um homem gordo. Além disso, menciona obras de autoras como Ariane Fonseca, Giovanna L Pião e Zoe X, que apresentam protagonistas plus size.


No ano passado, Lola lançou "Manual do Clichê Imperfeito", um romance situado em competições de hóquei no gelo em uma universidade americana. O livro apresenta uma protagonista negra e aborda temas como feminismo e questões raciais. O livro rapidamente se tornou um dos mais lidos da autora, com muitas leitoras se identificando com a personagem principal. Com cautela, Lola planeja incorporar cada vez mais questões políticas em suas histórias picantes.


"Costumo dizer que minha principal causa sou eu. Sou uma mulher negra e de origem pobre. Com a escrita, conquistei muito mais do que eu sonhei um dia para mim e para a minha família. Meu primeiro objetivo era me estabelecer como escritora. Agora, quero ficar rica. A longo prazo, minha meta é continuar escrevendo literatura de entretenimento, mas falando das questões importantes para mim", diz a autora, que esta semana está viajando pela Itália.




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