Decepção com Lula 3 ameaça domínio petista no Nordeste

Garçom em um restaurante tradicional de Salvador, Cleber Silva, 44 anos, votou pela terceira vez em Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, acreditando que sua vida melhoraria após a pandemia. Dois anos e meio depois, se diz decepcionado e já decidiu votar na direita em 2026. Ele se junta ao número crescente de eleitores do Nordeste — tradicional reduto petista — que demonstram frustração com o terceiro mandato de Lula, segundo reportagem do jornal O Globo.
Cleber reclama do aumento de impostos, da falta de segurança e da inércia diante de escândalos como o do INSS. “Cadê o Lula? Ele sumiu”, desabafa. A percepção de distância entre o governo e os eleitores populares se reflete em dados: na região Nordeste, a aprovação do presidente caiu 13 pontos percentuais entre dezembro de 2023 e junho de 2024, segundo a Genial/Quaest.
Durante visita recente a Salvador — cidade onde Lula teve 72% dos votos válidos no segundo turno de 2022 —, o presidente esteve acompanhado por nomes fortes do PT baiano, como Jerônimo Rodrigues, Rui Costa, Jaques Wagner e a ministra Margareth Menezes. No entanto, a recepção foi marcada mais por cálculos políticos do que entusiasmo popular.
Críticas à gestão e desilusão com promessas
Muitos entrevistados, inclusive eleitores históricos do petista, apontaram a ausência de uma política social marcante como o Bolsa Família, além da percepção de aumento de impostos e medidas impopulares como a chamada “taxa das blusinhas”. Para Giselle Improta, 37, ex-trocadora de ônibus e boleira desempregada, “o presidente desapareceu” após a eleição.
Arthur Ituassu, cientista político e pesquisador da PUC-Rio, diz que a insatisfação é hoje “autônoma, difusa e permanente”, impulsionada pelas redes sociais. Ele também aponta falhas na comunicação do governo, que demorou a responder à guerra de narrativas dominada pela oposição.
Apesar disso, há eleitores como Rafael Cabanãs, 25, que continuam apoiando Lula, ainda que com menos entusiasmo. Já a obstetra Bruna Villas Boas, 28, resume seu voto futuro como “por falta de opção” diante da possibilidade de retorno da extrema-direita. “Repetirei meu voto, ainda que sem entusiasmo”, afirma.
Cansaço com a polarização
Entre os jovens, como estudantes da Universidade Federal da Bahia, cresce a percepção de que o governo Lula não representa mais um projeto de esquerda robusto. Para Geraldo Ramos, 27, a gestão atual apenas “cata as migalhas” do que restou após o governo Bolsonaro.
Já entre eleitores mais antigos do PT, como o comerciante Sílvio Carvalho, o sentimento é de desalento geral. Ele afirma estar à procura de um candidato fora dos dois polos: “Não quero nem lulismo nem bolsonarismo, mas não encontro alternativa”.
Cresce o ‘voto nem-nem’ e a abstenção planejada
O “voto nulo por convicção” aparece com força em relatos como o de Maria Aparecida dos Santos, 56, que afirma: “Cumprirei meu dever cívico e irei às urnas, para anular meu voto. Se não me oferecem opção, é o que me resta”.
Jantonio Grassi Júnior, 56, ex-eleitor de Ciro Gomes, também não vê saída: “Não vou votar só para o outro perder”. Outros, como o porteiro Luiz Cláudio Jesuíno, 36, já sinalizam que preferem pagar a multa de R$ 3,51 e não votar.
Segundo o cientista político Cláudio Couto, da FGV, esse tipo de insatisfação pode impactar diretamente eleições polarizadas como a de 2026. “O voto nulo e a abstenção estão se tornando respostas pensadas, com lógica. Precisamos mensurar isso com mais profundidade”, alerta.
Em 2022, 20,49% dos eleitores baianos não compareceram às urnas no segundo turno. Nacionalmente, Lula venceu com 50,9% dos votos válidos contra 49,1% de Bolsonaro. Se a tendência de desilusão se mantiver, o efeito da abstenção poderá ser decisivo em 2026.