Negociação entre China e EUA pode afetar as exportações brasileiras. Entenda

A redução das tarifas de importação é o ponto mais visível da negociação entre Estados Unidos e China. No entanto, o estopim da guerra tarifária foi o déficit de R$ 1,2 trilhão na balança americana nas transações comerciais com os chineses, e como isso ficará resolvido ainda não ficou claro. O acerto dessa conta pode acabar sendo pago em parte pelas exportações brasileiras, teme Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações e coordenadora do Programa Ásia e do Grupo de Análise da China do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Ela destaca que, apesar de a questão do déficit não aparecer no full statement, ela está presente na declaração dos representantes americanos como fator primordial da negociação.
- Para fazer diferença nesse déficit, são necessários produtos na casa do bilhão, estou falando de grandes volumes ou itens de valores mais altos. Por isso, eu acho que tem um risco, sim, para o Brasil sair perdendo. Dito isso, não acho que a China, digamos assim, queira desmobilizar o Brasil como fornecedor agrícola, mesmo em parte, não acho que este seja um plano A da China. Isso não seria positivo para a China, afinal estamos falando de uma negociação muito tensa, tem uma boa notícia, mas foram meses muito ruim, de grande pressão americana e não acho que os chineses estejam totalmente dispostos a desmobilizar cadeias de suprimento que levam tempo para construir. Mas me pergunto se terão outra escolha. Não vejo outro setor que pudesse atender esse volume, ainda que não consiga resolver todo o déficit, mas que você parcialmente dê uma solução para isso, se não for o agro - ressalta Larissa.
O fato de o presidente Lula estar nesse momento na China negociando acordos é um ponto favorável. Além dos já anunciados investimento de R$ 27 bilhões chineses no Brasil, segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), essa pode ser uma oportunidade do governo brasileiro conversa com o chinês sobre as exportações e a negociação com os Estados Unidos, explica.
- Lula estar na China exatamente agora abre uma oportunidade de conversar sobre o tema com o governo chinês. Realmente, acredito que não seja interesse da China prescindir do fornecimento do Brasil, não só porque não é fácil desenvolver esse fornecimento, mas porque as empresas chinesas aumentaram investimentos na infraestrutura de escoamento de produtos agrícolas para exportação. Eles têm aqui um compromisso, digamos assim, de longo prazo, uma relação realmente de confiança. Então, eu acho que a gente pode também imaginar que esse vai ser um tema super importante da conversa do presidente Lula com o presidente Xi Jinping.
Pensando ainda na visita do Lula à China, a especialistas que uma estratégia para tentar se proteger de uma possível transferência de compras da China para os Estados Unidos seria justamente encorajar mais investimentos chineses no Brasil na cadeia de infraestrutura logística para exportação, de agregação de valor aqui, em investimento em planta, diferentes formatos.
- Uma maior exposição do capital chinês no setor do agronegócio aqui no Brasil, seria, na minha visão, um instrumento mais completo, digamos, mais seguro, para a gente manter fluxos comerciais mais constantes ao longo do tempo. Encorajar essa exposição do capital chinês no Brasil por meio dos investimentos diretos, de um aumento dos financiamentos para o agronegócio brasileiro, essas são formas de garantir mais estabilidade no comércio internacional no longo prazo. Mas são medidas que não têm efeito no curto prazo, e essa discussão tarifária é super curto prazista. O governo com certeza está pensando nisso agora na visita à China que está acontecendo essa semana - avalia Larissa.
A soja é a commodity com maior potencial de ser afetada, caso a estratégia da China para reduzir o déficit americano seja mesmo aumentar a compra de agro dos EUA, ressalta a especialista:
- É um produto que movimenta na casa do bilhão, o que é necessário pensar quando se fala em déficit de um trilhão de dólares. O milho, no caso do Brasil, é um mercado recente, mas é bem menor do que o da soja, nem se compara. Então, a soja seria o produto mais afetado. As carnes também são um elemento importante para prestar atenção. O joint statement que foi publicado diz que a China se comprometeu a retirar também barreiras não tarifárias, então eles podem estar falando de barreiras sanitárias contra a carne norte-americana. Isso pode não significar menos compra da carne brasileira, mas pode pôr fim à perspectiva de aumento diante da redução da compra do produto americano.
Para Larissa, a velocidade do acordo, foram três dias de negociação do segundo escalão dos dois governos em Genebra, surpreendeu os analistas:
- É um indício de quão interligadas e complementares são as duas economias e quão difícil é para cada uma delas lidar com essas tarifas de parte a parte. Foi realmente uma ótima notícia, é surpreendente terem chegado a um acordo tão rápido e mostra bastante boa vontade dos dois lados de talvez chegar a um acordo mais robusto, mais definitivo, talvez antes até do que a maioria dos analistas previa.