Entidades pagaram R$ 110 mi a empresas de consignado

Investigações sobre um esquema bilionário de fraudes contra aposentados do INSS revelaram que entidades responsáveis por descontos associativos indevidos destinaram pelo menos R$ 110 milhões a empresários e empresas que atuam com crédito consignado. A apuração foi reforçada por planilhas e quebras de sigilo obtidas por autoridades, indicando o envolvimento de figuras centrais do sistema previdenciário brasileiro.
O escândalo, que resultou na queda do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi, levou à deflagração de uma megaoperação da Polícia Federal em abril deste ano. Estima-se que os prejuízos com descontos não autorizados possam alcançar a marca de R$ 6,3 bilhões.
O esquema funcionava a partir da adesão forçada ou fraudulenta de aposentados a associações, que então cobravam mensalidades diretamente da folha de pagamento do benefício. Muitas dessas entidades firmavam contratos com empresas de crédito consignado, que ficavam responsáveis por captar novos “associados” em troca de uma fatia do valor descontado mensalmente.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou forte correlação entre o aumento das adesões associativas e a contratação de empréstimos consignados, sobretudo entre 2023 e 2024. Nesse período, os descontos por mensalidades triplicaram, alcançando R$ 2 bilhões. Em apenas dez meses de 2023, foram registradas quase meio milhão de adesões em datas próximas à contratação de empréstimos.
Entre as entidades com maior movimentação financeira está o clube de benefícios Amar Brasil, presidido por Américo Monte. A organização, que firmou convênio com o INSS em 2022, movimentou R$ 324 milhões e repassou ao menos R$ 79 milhões a empresas de crédito consignado ligadas a Monte Jr., filho do presidente da entidade. Investigações anteriores apontaram indícios de fraudes, como falsificação de assinaturas de segurados.
Outras associações também figuram entre as que mais lucraram com o modelo, como a Ambec, a Unsbras e o Cebap. Essas entidades têm conexões com o empresário Maurício Camisotti, do ramo de seguros, e incluem em seus quadros societários parentes e até uma faxineira de suas empresas. Juntas, faturaram R$ 580 milhões com descontos.
Documentos em posse das autoridades mostram que essas entidades repassavam às empresas responsáveis pela intermediação de consignados 100% da primeira mensalidade e 21% das demais contribuições descontadas dos aposentados. O objetivo era estimular a filiação em massa, aproveitando o momento em que os segurados contratavam empréstimos.
A Polícia Federal, por meio da Operação Sem Desconto, identificou que pelo menos R$ 15 milhões foram transferidos para empresas ligadas a um ex-gerente do BMG, também investigado.
Diante da repercussão e das denúncias, a atual presidência do INSS determinou, no dia 8 de maio, o bloqueio de novos descontos de empréstimos consignados para todos os segurados, como medida preventiva para evitar novas fraudes. A medida atende a recomendações feitas pelo TCU desde 2024.
Nos últimos dias, o escândalo voltou ao debate público após declarações de parlamentares sugerirem que o rombo chegaria a R$ 90 bilhões. O dado foi rebatido por órgãos de controle, que reforçaram que o foco das investigações são os R$ 6,3 bilhões relacionados exclusivamente aos descontos associativos, e não ao volume total de consignados concedidos no país.
O INSS informou que cerca de 9 milhões de aposentados terão direito à devolução dos valores e serão notificados em breve para dar início ao processo de ressarcimento.