Lula 'ouviu até ficar rouco' durante dois meses de debates sobre pacote fiscal, diz Haddad
O governo detalha hoje as medidas do pacote fiscal que foram anunciadas na noite de terça-feira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Entre elas estão idade mínima para aposentadoria dos militares e mudanças nos parâmetros de reajuste do salário mínimo. O pacote terá impacto de R$ 70 bilhões em dois anos. Até 2030, economia será de R$ 400 bilhões.
Haddad disse que Lula ouviu "até ficar rouco" durante dois meses.
— Então ele ouviu todos nós, eu diria, ouviu até ficar rouco de tanto ouvir, ouviu muito, mais de dois meses de debates internos entre todos nós, mas a decisão é tomada pelo chefe do Executivo e foi tomada. Tudo isso aqui foi discutido com todos ministros, com a Saúde, Trabalho, Desenvolvimento Social, Educação, militares, todo mundo foi ouvido e quando há divergência o presidente arbitra e nós encaminhamos — afirmou o ministro.
Haddad disse que Lula quis ouvir todo mundo para tomar uma decisão sobre todos os temas.
— Ele ouviu os ministros e tomou a decisão que pareceu a mais adequada para dialogar com o país porque o presidente não dialoga só com o mercado financeiro, dialoga com as expectativas das pessoas por justiça social, com uma série de anseios represados que é próprio de uma liderança na estatura que ele tem — afirmou.
Em paralelo, o governo anunciou a isenção de Imposto de Renda para quem recebe R$ 5 mil e o aumento da alíquota efetiva do IR para quem tem renda superior a R$ 50 mil mensais, incluindo salário, aluguel e dividendos, por exemplo.
O ministro disse que a reforma da renda está pautado nas discussões eleitorais há pelo menos seis anos.
— Desde 2018 o tema da reforma da renda surgiu nos embates eleitorais, e as distorções sobre quem não ganha muito e paga e quem ganha muito e não paga não são de hoje. Então tinha um prazo constitucional estabelecido pela reforma tributária, está lá para quem quiser ver, e a determinação foi tomar todas as decisões esse ano para que elas possam ser processadas a partir desse ano e para o ano que vem deixar claro o projeto que está em curso — afirmou.
O governo vem sendo cobrado por medidas estruturais que sinalizem compromisso com as regras fiscais, considerando que muitas despesas obrigatórias crescem em velocidade acima da permitida pelo limite de gastos. O teto tem aumento real entre 0,6% e 2,5% ao ano.
Salário mínimo
Para alcançar essa adequação, a principal medida do pacote é a limitação da valorização real do salário mínimo à mesma regra do arcabouço. No ano passado, Lula retomou a regra que reajusta o piso nacional com a inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos.
No ano que vem, esse percentual seria de 2,9%. Com a proposta, ficará limitada a 2,5%. Em 2025, o impacto é de cerca de R$ 3 bilhões.
- Isso vai dar conforto para o (Ministério do) Planejamento elaborar a peça orçamentária com mais previsibilidade e de manter as despesas discricionárias, no mínimo, no nível atual ou, se tiver boa gestão, aumentar para investimentos. O objetivo dessa medida é circunscrever as despesas obrigatórias ao arcabouço fiscal — disse Haddad na coletiva.
Abono salarial
Além disso, o governo quer alterar a regra de acesso ao abono salarial, espécie de 14ªº salário pago hoje para quem ganha até dois salários-mínimos (R$ 2.824).
A ideia é pagar o benefício para trabalhadores com renda de até R$ 2.640 no primeiro ano de vigência da nova regra. Nos anos seguintes, a regra de acesso seria reajustada apenas pela inflação até chegar a 1,5 salário mínimo.
Pente-fino no BPC e no Bolsa Família
O governo também vai ampliar o pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes de baixa renda, e no Bolsa Família.
No caso do Bolsa Família, haverá as seguintes mudanças:
Biometria obrigatória para inscrição e atualização cadastral
Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há 24 meses
Restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento
Inscrição ou atualização de unipessoais deve ser feita em domicílio obrigatoriamente
Idade mínima para militares
O pacote também conta com medidas que afetam os militares, como a instituição de uma idade mínima para a reserva e a limitação de transferência de pensões. Haddad já tinha dito que a previsão é de economia de cerca de R$ 2 bilhões.
Segundo um integrante do alto escalão do Executivo, os detalhes do projeto com mudanças no sistema de previdência das Forças Armadas não foram fechados entre a equipe econômica e a Defesa.
A proposta de inclusão dos militares no pacote fiscal do governo federal deverá ficar para 2025.
Fundeb
O pacote prevê destinar até 20% da complementação da União ao Fundeb para a criação e manutenção de matrículas em tempo integral.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um total de vinte e sete fundos), composto por recursos provenientes de impostos e das transferências dos estados, Distrito Federal e municípios vinculados à educação.
Os recursos do Fundeb podem ser usados, por exemplo, para pagar salários de professores, diretores, orientadores pedagógicos e funcionários da rede pública, transporte de estudantes, compra de equipamentos e material didático e mantimento de escolas.
Isenção do IR
Junto com o pacote, o governo também anunciou a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, sem transbordar para as outras faixas. Ou seja, quem ganhar acima desse patamar não será beneficiado, pois não haverá mudança na tabela do IR. A medida, que deve custar cerca de R$ 40 bilhões, será compensada com uma taxação adicional para contribuintes com renda mensal superior a R$ 50 mil, incluindo salário, dividendos e aluguéis, por exemplo.
Segundo interlocutores, a alíquota mínima efetiva para esse grupo será de 10%.