PF investiga ‘banco’ de capital fictício sob comando de ex-procurador de José Dirceu
A Polícia Federal está investigando a operação de um "banco" chamado Atualbank, que é dirigido por Fernando Nascimento Silva Neto, um membro do PT de Brasília. Ele é acusado de usar um documento falso do Tesouro Nacional como lastro para o capital social da empresa. Além disso, há indícios de que a constituição do banco envolve "laranjas" e uma conexão com um indivíduo condenado por estelionato no Mato Grosso.
Fernando Neto, que também foi procurador do ex-ministro José Dirceu, não respondeu aos pedidos de comentário. A operação do Atualbank e a investigação sobre um suposto golpe em São Paulo foram divulgadas pelo Estadão.
O Atualbank alega ter um capital social bilionário, supostamente respaldado por uma letra de crédito do Tesouro Nacional avaliada em R$ 8,5 bilhões. No entanto, o Tesouro Nacional informou ao jornal Estadão que o documento é falso e que sua utilização deve ser investigada pela Polícia Federal. A empresa comunicou à Junta Comercial de São Paulo que a letra de crédito da "Série Z", supostamente emitida conforme uma lei de 1970, está "no cofre da tesouraria". Contudo, esse documento é falso, pois não existem letras do Tesouro da série Z emitidas naquela época.
A Polícia Federal iniciou um procedimento investigativo e, em resposta à reportagem, informou que, por se tratar de um processo sigiloso, não poderia fornecer mais detalhes no momento.
Em agosto, Fernando Neto foi contatado pelo Estadão e minimizou a utilização de um documento falso por sua empresa, afirmando que o título "nunca foi utilizado e não tem funcionalidade alguma" para o Atualbank. Quando questionado novamente sobre a investigação, ele não se manifestou.
Embora tenha "bank" no nome, a empresa nunca foi autorizada pelo Banco Central e, na prática, não opera como um banco. Em vez disso, declarou à Receita Federal que atua em áreas como "consultoria em tecnologia da informação", "administração de cartões de crédito", "correspondentes de instituições financeiras" e "consultoria em gestão empresarial".
Fernando Neto atuou como procurador de José Dirceu por cerca de cinco anos. Em maio de 2018, recebeu do ex-ministro uma procuração que lhe permitia representá-lo em "quaisquer repartições públicas federais, estaduais e municipais", incluindo o Ministério da Justiça, a Câmara e o Senado, com autoridade para "requerer, alegar e assinar o que fosse necessário".
Com a procuração, Fernando Neto conseguiu se firmar no PT e em Brasília como braço direito de José Dirceu, passando a se apresentar como “assessor especial”, “amigo” e até “filho de criação” do ex-ministro. A procuração, que foi assinada um dia antes de Dirceu se entregar para cumprir pena na Operação Lava Jato, foi revogada apenas em setembro do ano passado. A assessoria de Dirceu informou que a revogação ocorreu após ele tomar conhecimento de indícios de que Neto estaria falando em seu nome, mas não forneceu detalhes sobre as circunstâncias do rompimento.
Fernando Neto é oficialmente o proprietário do Atualbank desde março de 2024, embora tenha se apresentado como CEO da empresa desde o final de 2023. Ele afirmou publicamente que participou da “montagem” do banco em 2018.
A constituição e a operação do Atualbank envolvem o uso de “laranjas”. Enquanto Neto se afirmava como o novo presidente em Brasília, o verdadeiro proprietário, no papel, era Cristiano dos Santos Cordeiro Velasco, um eletricista instalador de ar condicionado residente em Búzios, no Rio de Janeiro. Antes de se tornar “banqueiro”, Cristiano utilizou parcelas do auxílio emergencial durante a pandemia de covid-19. Ao ser questionado pela reportagem, ele revelou que emprestou seu nome a um grupo com a promessa de receber dinheiro em troca.
Depoimentos coletados pelo Estadão indicam que por trás da operação do Atualbank está Walter Dias Magalhães Junior, um estelionatário condenado em primeira instância pela Justiça de Mato Grosso e investigado por outros crimes. Ele passou a se chamar Walter Tiburtino e aparecia como “conselheiro administrativo” do banco em seu site. Durante a investigação jornalística, quando o grupo já sabia que uma reportagem sobre o Atualbank estava em andamento, seu nome foi removido da seção “quem somos” da página oficial.