Está puxado ser mãe nessa crise
Ser mãe sempre trouxe dor, desde o início da gestação, mas agora essa dor ganhou uma nova dimensão. Há treze anos, ao engravidar da minha filha, pensei que enfrentaria apenas os medos clássicos de uma mãe: o receio de que ela enfrentasse dificuldades, adoecesse ou até mesmo morresse.
As mães de antigamente podiam temer o pior, mas havia uma certeza: se esses medos se concretizassem, seriam neste planeta. Não acredito que estaremos em Marte em 2100, mas o mundo que conhecemos está se transformando. A crise climática está moldando uma nova Terra, repleta de fenômenos imprevisíveis, e isso gera sombras profundas sobre o futuro de nossos filhos.
As marcas dos incêndios que tornaram o ar de São Paulo insuportável ainda estão nas minhas paredes. Recentemente, o Deserto do Saara enfrentou tempestades que resultaram em inundações. Em Oakland, centenas foram forçadas a evacuar devido a incêndios. Enquanto isso, as Ilhas Tuvalu se preparam para desaparecer, e o Rio Grande do Sul ainda se recupera das enchentes.
Não preciso esperar por 2030 para perceber que a saúde da minha filha será impactada pelo calor. Sua síndrome vasovagal, que se agrava em altas temperaturas, tem se manifestado com frequência. Imagino seu rosto pálido buscando ar fresco e me pergunto se, daqui a cinquenta anos, ela poderá viver na cidade onde nasceu, como eu. Será que ela terá que se mudar, considerando que o Brasil, com seu clima tropical, será um dos países mais afetados por essa crise?
Alguns dirão que escolher onde viver é um privilégio. E é verdade: muitos não terão essa escolha. Cerca de 150 milhões de refugiados serão forçados a se deslocar por causa do aquecimento até 2050.
Sou uma mulher privilegiada, mãe de uma menina privilegiada, que poderá se isolar em uma bolha com ar-condicionado. Mas será possível ser feliz sabendo da catástrofe que atinge tantas pessoas e espécies?
Recentemente, minha filha me disse que alguém comentou que a crise climática não afetará sua geração, mas a próxima. Normalmente, sou franca com ela sobre as dificuldades, mas naquele momento, optei pelo silêncio, como se não tivesse ouvido. Senti que ela precisava de um momento de autoengano, mesmo que efêmero.
Ali, em silêncio, ao seu lado, experimentei aquela solidão característica da maternidade: a sensação de estar sozinha com seus medos e angústias, sem ninguém para salvá-la.
O curioso é que nem estamos salvando a nós mesmos. Fico imaginando como responderemos se um dia nossos filhos perguntarem por que, em 2024, agimos de forma tão irresponsável, elegendo candidatos sem planos de combate à crise climática, sem exigir uma transição energética mais rápida e o fim dos combustíveis fósseis. Não terei respostas, e o pior é que não haverá uma brisa de autoengano para nos confortar.