Inteligência artificial na educação brasileira: avanço ou retrocesso na era do algoritmo?

A crescente popularização da inteligência artificial (IA) entre estudantes da Educação Básica e Superior no Brasil tem levantado questões éticas e pedagógicas. Enquanto alguns a utilizam como recurso para tarefas escolares, outros evitam por considerarem incompatível com os princípios acadêmicos. Essas posturas revelam um terreno complexo e de opacidade que demanda reflexão sobre o papel da IA na educação e a importância de sua utilização responsável.
O Brasil é um dos países que mais utiliza a IA. Conforme pesquisa de 2024 pela Our Life with AI: From Innovation to Application (Nossa vida com IA: da inovação à aplicação, em tradução livre), a média global no uso da IA está em 48%, sendo que no Brasil figurou em 54%, e os usos compreendem busca de informações pessoais, uso da IA como uma assistente pessoal, escritas, resolução de problemas, síntese de documentos longos, interpretação de informações. Nos usos indicados pelos brasileiros, destaca-se que 74% utiliza para estudos.
O que temos hoje no Brasil? A regulação da IA é um tema em crescente debate, com iniciativas voltadas para garantir o desenvolvimento ético e seguro dessa tecnologia. Em 2023, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2338, que trata da regulamentação da IA no Brasil. A matéria segue agora para a análise da Câmara dos Deputados. O texto é um marco regulatório com regras para o desenvolvimento e o uso de sistemas de IA, que estabelece princípios e diretrizes para o uso responsável da IA, como transparência, proteção de dados e respeito aos direitos humanos, e minimiza riscos associados à discriminação algorítmica, privacidade e segurança. Paralelamente, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (2024-2028) intitulado “IA para o Bem de Todos” apresenta a necessidade de regulamentação articulada às demandas econômicas e sociais, com foco em educação, pesquisa, inovação, governança e proteção de direitos. Essas iniciativas refletem a urgência de um debate acerca da inovação tecnológica e da proteção de direitos fundamentais no uso da IA no Brasil, em particular, no contexto educativo, embora destaca-se que a legislação sobre IA não irá abranger pontos específicos da ética e diretrizes orientadas especificamente para a Educação.
Mas a pergunta que ecoa entre educadores, gestores, família e comunidade é: "Devemos ou não usar IA na educação?" A resposta requer reflexão sobre os limites e possibilidades dessa integração.
A IA tem sido utilizada como recurso para o processo de personalização na aprendizagem, análise de dados educacionais e suporte na organização do trabalho pedagógico por alguns educadores. Tecnologias como tutores virtuais e plataformas de avaliação auxiliam no atendimento às necessidades dos estudantes, para promover a inclusão e reduzir disparidades educacionais. No entanto, é preciso considerar a necessidade de se observar os projetos de formação humana integrada e sua tônica no desenvolvimento coletivo da comunidade escolar.
Apesar do seu desenvolvimento tecnológico, a IA levanta questões éticas, educacionais e sociais. A plataformização do ensino, quando o desenvolvimento da educação fica refém de infraestruturas digitais oferecidas por corporações tecnológicas, como as estadunidenses Google Alphabet, Amazon, Meta, Apple e Microsoft, pode acentuar as desigualdades, ao excluir aqueles sem acesso às tecnologias digitais. Segundo a pesquisa TIC Educação (2023), realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 92% das escolas no Brasil têm presença de acesso à internet nas escolas de Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Porém, questiona-se: essa conexão à internet é boa o suficiente para usos de tecnologias de IA no processo educativo?
Além disso, a vigilância de dados estudantis por grandes empresas pode comprometer a privacidade e a autonomia de professores e estudantes. Para a sociedade, isso implica uma agenda pública sobre escolas, institutos, universidades e instituições educativas com pautas envolvendo currículos escolares e ambientes de aprendizagens que considerem a natureza e finalidades educativas do uso da IA.
Dessa forma, não se trata apenas de aceitar ou rejeitar a IA em ambientes escolares, mas de decidir como ela será utilizada. A autonomia do trabalho didático dos professores e a formação do pensamento crítico dos estudantes precisam ser mantidos. A IA ocupa o espaço de recurso e seu uso precisa ser regulamentado para evitar maiores disparidades educacionais e sociais ou situações de preconceitos, vieses algoritmos, colonialismo de dados e dependência tecnológica.
Nessa discussão das tecnologias digitais na educação no Brasil, surgem desafios para as secretarias de educação, incluindo a de Goiás, pois serão necessárias diretrizes pedagógicas para as redes escolares, considerando os tempos de aprendizagem e as condições estruturais e pedagógicas do trabalho docente. Já temos instituições educativas elaborando guias, formações ou documentos com orientações sobre a IA nos trabalhos e atividades acadêmicas como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Goiás (UFG), Secretarias de Educação de Minas Gerais, São Paulo e Senador Canedo (GO), entre outros.
A questão não é se podemos usar a IA na educação, mas como podemos fazê-lo de forma ética e inclusiva. Isso requer formação de professores para a integração crítica desses recursos nas práticas educativas, de modo a qualificar pedagogicamente os processos educativos para o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo dos estudantes e sua atuação no mundo do trabalho. Além de observar a ação da IA nas relações interpessoais.
No Ensino Fundamental e Ensino Médio, muitos estudantes recorrem à IA para realizar atividades, sem se envolver no processo de aprendizado necessário para compreender os conteúdos escolares. Essa prática frequentemente resulta em erros conceituais nos textos gerados pela IA e em dificuldades de desenvolvimento intelectual. Além disso, o uso não responsável da IA compromete a autonomia dos estudantes, que se tornam dependentes de respostas prontas, sem desenvolver habilidades essenciais, como pensamento crítico e escrita. Uma das possibilidades é desenvolver um trabalho dialogado com estudantes no uso do recurso da IA, questionando e problematizando as respostas geradas.
Por outro lado, no Ensino Superior, ocorre um fenômeno diferente: muitos professores, pesquisadores e estudantes evitam utilizar a IA por considerarem essa prática antiética ou inadequada para o ambiente acadêmico. Essa postura, embora ética, pode refletir o desconhecimento sobre como usar a IA de forma responsável, pedagógica e complementar ao aprendizado, possibilitando a pesquisa, a análise crítica e sem substituir o esforço intelectual necessário.
Portanto, é fundamental promover uma educação que proporcione aos estudantes a fazerem um uso ético da IA. Isso implica ensinar não apenas como utilizar tecnologias de IA, mas também como avaliar criticamente suas respostas, compreender suas limitações e utilizar os resultados de forma crítica, criativa e responsável. Professores e instituições de ensino têm o importante papel de orientar os estudantes nesse processo, garantindo que a IA seja utilizada como um recurso tecnológico de desenvolvimento do aprendizado, e não como um meio de comprometer a qualidade da formação acadêmica.
Ao desenvolver o uso responsável da IA, estamos possibilitando aos estudantes formas de lidar com as tecnologias digitais de maneira ética e responsável, contribuindo para uma educação mais crítica.
Cláudia Helena S. Araújo é Pós-doutora em Estudos Culturais (UFRJ). Doutora e Mestra em Educação. Professora e Pesquisadora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)